terça-feira, 30 de outubro de 2012

Minha casa


Sejam bem-vindos, esta é a minha casa. O meu coração aberto de par em par, mas, somente cabe um nome transcrito nele. Eu? Uma alma de mil almas consumadas em chama, de medo. Sou o que quiseres que seja, o que pensares que sou e, ainda assim, muito menos do que aquilo que poderei vir a ser, mas, sou sua. Sou um caminho feito de vários desvios, mas, com uma só chegada e, particularmente, nesta madrugada, zigzagueando por corredores. Uma personalidade fragmentada em momentos. E de repente, enquanto descia as escadas em meio ao temporal, me senti tão igual a todos os outros daquela daquela cidade, tive saudades de um tempo em que vivi menos do que gostaria. Precisei ir vislumbrar um copo de vinho. Penumbra iluminada pelos maiores génios da pintura e da poesia em forma de livros empoeirados, dispostos de forma continua em estantes. Hoje é só o momento-poesia. Cada palavra aqui escrita é uma parte de mim, uma tentativa de explicar algo que nunca poderá ser contado. Tive saudades do tempo de brilho nos olhos e passeios à chuva, de uma cidade que nunca vivi, apenas passei de mãos dadas. Desejei que a auto-estrada se transformasse nos imensos campos elisíos, mas acabei no outro lado do sofá, em plena madrugada do dia 30! Eu própria. Sejam bem-vindos, já disse. Apaixonada! A esta peça de teatro em que sou apenas uma personagem secundária à procura do seu papel principal. Uma verdade que se assemelha a tantas mentiras. Uma música perdida do solfejo, que vai chorando e sorrindo notas à deriva, que derivam apenas de mim e você. Noite cinzenta dos tempos de agora. E tudo se perdeu em duas horas de ilusões, nas palavras de Woody Allen. Um caminho sempre de regresso a cama do meu coração, já que a minha alma é uma estrangeira perdida no meu pequeno e proscrito… labirinto de Fauno. Chega de insônia por hoje, por você! (30/10/2012 - 03:48 a.m)

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Devaneios à Educação

Estamos vivendo uma época desregrada, mas encharcada de valores efêmeros. Na volatilidade da sociedade atual, pesos e medidas são instantaneamente dissolvidos e termicamente evaporados. O mundo está fragmentado e precisa urgentemente ser reeducado a conviver em harmonia com os bens enaltecedores de uma civilização igualitária e mais humana. Me percebi estarrecida!
Há um patético e crescente recolh...
imento ao instinto animal, de retrocesso à era do primitivismo. Ao agir como macaco (pobre animal a qual nos comparo), o homo sapiens não mais se diferencia das feras, dos selvagens, dos animais irracionais… Devemos reaprender a lição que nos deu a natureza, ao longo de mais de quinhentos mil anos de evolução biológica, e repensar o modelo social dela decorrente.
As pessoas – de um modo geral e independentemente de posições geográficas, papéis sociais, guetos culturais ou células econômicas a que pertençam ou representam – estão dizendo “não” ao diálogo, à emoção, ao sentimento e à própria razão lógica… De forma automática e condicionada, caminham como se fossem robôs de uma linha de montagem de uma fábrica capitalista, em direção às aspirações materialistas programadas por sujeitos mentecaptos e cérebros corroídos, por mentes cirróticas. Quando acordarem da vacuidade desse pesadelo, vão sentir o cansaço do vazio. Diante do nada irão dispor, além do desejo mórbido de experimentar prazeres mundanos, nos quais poder e fortuna se acasalam em concubinato contra o bem-comum.
Nesse contexto, os meios se confundem com os fins, causa e efeito se misturam e o mal quase sempre vence o bem. A inversão de valores reflete o tufão de uma sociedade consumista e globalizada, onde os interesses maiores de seus indivíduos-partícipes gravitam em torno da força bruta e cuja consciência está prestes a desabar sob as ruínas de um cenário fraudulentamente arquitetado, ou melhor, já o estamos vivenciando. Enquanto isso, os atores coadjuvantes, personagens secundários desse teatro de fantoches, tentam convencer e converter os ainda não adeptos ao ideologismo sofismático de suas alienações hegemonizacionistas.
Esta, lamentavelmente, é a ótica da realidade catastrófica com que nos deparamos. É o homem sendo draconianamente tragado e engolido – no corpo, na alma e nos seus mais nobres valores intrínsecos – pela ambição, ganância e outras figuras típicas de uma competição espúria.
Na mesma cordilheira, insere-se a famosa moralidade, estamos no fundo do poço, se não o ultrapassamos, meus amigos!
Todos os anos, tragédias acumulam-se como papéis em cima de mesas e, damos mais importância a roupa do dia seguinte ou, o que irá acontecer na novela das 8! Será que ninguém cansa de ser alienado? Ninguém percebe genocidios? E os homicios? Alguem reparou nos suicídios morais que são acometidos em cada esquina sob o nome de “bons costumes”?
E a Escola? Depois dos pais (neuróticos, subprodutos desse mundo louco), tornou-se vendilhona da pátria, se os filhos da nação caminham sem rumo, se homens públicos vendem a consciência (por propinas, mensalão, mesadas, superfaturamento, subfaturamento…) e todos se agarram ao ter e ao poder a qualquer preço, resta-me, perplexa e desolada, diante do apocalipse social, dessa comédia humana, parafrasear o inexcedível Shakespeare: ser ou ter, eis a questão… ou como Custódio Bouças: “quando a educação perde o rumo, a sociedade se corrompe…”

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

«Prometo»

Não costumo falhar às promessas que te faço, e ponho toda a verdade em cada palavra, sílaba, ditongo e frase que te digo. Prometi-te que voltava a pegar na escrita e a fazer dela minha. Como se as palavras tivessem donos, assim como os corações. São apenas fragmentos que vamos segurando nos dedos, peças que nunca completam verdadeiramente um "puzzle" mas que insisto em tentar juntar. Se ...
estou a falar do meu coração ou das palavras? Talvez dos dois. Possivelmente de mim. Sou um puzzle sem sentido, mas tu és a peça chave para me completar. O amor é como o vinho sabes? Quanto mais velho melhor. O nosso tem amadurecido como uma boa garrafa de vinho tinto. Mas os corações, meu querido, nunca terão dono. São almas mordazes e dífíceis, que batem ao ritmo de uma canção. A música do meu coração está sempre a mudar, ora rápida, ora lenta, ora feliz, ora triste.
Ta na na na na. Ti ri ri ri. Tantas canções, todas elas ao ritmo da mesma letra do nosso amor.
 Mas o coração é complicado. Há dias que sei que te amo com plenitude, tudo é cor-de-rosa. Mas, em outros, o coração fica emburrado, tudo é motivo de uma pequena rixa. Há dias que me apetece gritar, esbraçejar e partir rumo a lado nenhum sem saber porquê. De encontros e desencontros tornados acaso. Sou uma alma estranha, que se entranha no amor e na paixão. Hoje, é o dia que desejaria um colo!
Mas eu «prometo». Prometo que te amo e eu não falho às minhas promessas. Te digo «vou amar-te para sempre», e então, já sabes. Para sempre é o tempo que te resta para ouvires as muitas melodias do meu coração, que tal como as palavras, teremos sempre de conquistar. Peço as letras emprestadas ocasionalmente e faço delas o meu acaso feliz. Sem elas e sem ti, sou só um fragmento, uma peça num tabuleiro de xadrez, sem nunca poder fazer xeque-mate à você, que é meu rei.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Minha Esfinge...

“Você é minha esfinge!”, disse um amigo à ela, tamanho era seu mistério. E, para ela, não havia outra definição que pudesse defini-la melhor: um enigma nunca antes desvendado, tal como a esfinge de Édipo. Reclinada em sua poltrona, ela recebia essa mensagem com a estranha sensação de resignação, como se ainda não tivesse nascido ainda alguém que pudesse compreendê-la. Ela era o maior desafio para terapeutas, amigos e, sobretudo, para ela mesma.

Não que ela fosse a pessoa mais complicada do mundo, longe disso. Também não era a pessoa com mais problemas do que as outras, embora tivesse seus dramas. Não tinha um gênio indomável, tampouco era fria:. Não pecava pelos excessos, pelo contrário: sua fala é mansa, suave, quase que embalando uma melodia, embora se esconda um vulcão, um tsunami. Por trás dos seus olhos serenos e seu sorriso contagiante, encontravam-se terremotos, maremotos e chuvas torrenciais. Talvez esse fosse justamente o problema: só ela sabia dessa ambigüidade, mas se continha a tal ponto que até ela, por vezes, se esquecia do que ela era.

Talvez ela possuísse uma imagem parcial, incompleta, de si mesma e se assustava sempre que os seus outros lados, como aquele mais obscuro e o mais impulsivo, apareciam. E eles sempre aparecem, pois a natureza sempre põe à tona aquilo que tentamos esconder de nós mesmo, não importa como. E como ninguém gosta de viver de sobressaltos, ela se protegeria a sua maneira: uns diziam que ela se fechava em uma concha, outros diziam que ela colocava dezenas, centenas de camadas a sua volta, assim como uma cebola.
 
Todos nós temos diversos “lados”, facetas. Não seria exclusividade só dela. Todavia, há formas e formas de revelá-los. Alguns simplesmente deixam essas facetas fluírem naturalmente, sem controle prévio ou censura. Impulsivos, por mais organizados que sejam cada minuto é uma grande surpresa pra eles: não se sabe como irão reagir a um gesto, uma palavra, um olhar do outro ou de si mesmo. Outros, por sua vez, controlam cada passo que irão dar: está tudo arquitetado, evitam o improviso que a impulsividade obriga a ter. Cada palavra dita é proferida devidamente pensada e repensada, cada gesto é filtrado e não foge a seu controle. Mas como a natureza sempre põe à tona aquilo que tentamos conter, sempre que se há um lapso e ela se escapole de sua concha, sempre que percebe que a cebola sendo descascada muito rápida ou profundamente, ela se fecha cada vez mais, seja em uma concha mais resistente, seja em uma cebola com mais camada.

Mas não seria o fluxo da vida abundante demais para se passar por um eterno e rigoroso controle? Tentar viver em um casulo é como controlar um vazamento com chiclete: uma hora não vai segurar mais, vai arrebentar. E a vida pode ficar tão mais divertida, tão mais colorida quando deixamos o impulsivismo aparecer em nossas vidas: quando falamos aquilo que queremos falar, que digamos bobagem, quando agimos passionalmente mesmo que depois fiquemos vermelhos de vergonha do que fizemos. Que nos apaixonemos e desapaixonemos. Quando agimos antes de pensar, quando não pensamos nas conseqüências. Enfim, não é ser irresponsável, é ser humano, é ter vida. E Talvez ela saiba disso: há uma certeza quase geral de que nem o melhor dos psicólogos vai dizer alguma coisa sobre ela que ela já não saiba. Mas, assim mesmo, ela continua sendo um desafio para si e para os outros: qual a razão para tanto domínio de ímpeto? Seria medo de ser feliz de uma forma diferente do que passou a vida planejando? Desfazer os castelos de areia da alma é tão doloroso quanto perder parte do corpo, e nem todos estão preparados para isso.
 
Só aqueles olhos calmos que escondem uma grande ressaca do mar seriam tão mais belos se permitissem que fôssemos engolidos por suas gigantes ondas. Que aquela fala carinhosa que acalma o seu ouvinte também se permitisse queimá-lo com as lavas do seu Vulcão. Que a mão que acalenta se permitisse colocá-lo no meio de um terremoto. Mas para ela pode ser que seja mais forte que ela desviar-se do assunto quando ele vai entrar em uma área onde ela não tem total controle. Ou que é mais forte que ela desconfiar de alguém que apenas quer conhecê-la, pois não existe amizade sem conhecimento do outro. Talvez, para ela, perceber que no meio de uma conversa, o outro está perto de si mesma, em uma área perigosíssima, a do seu eu desprotegido, ambíguo, sem máscaras, é tão assustador que a faz usar qualquer arma para despistar, fugindo logo em seguida. Talvez, quando ela sai da conversa, foge não por ser covarde, mas porque não se sente confortável para se abrir para o outro. Mas como se sentir confortável quando não se abre espaço? Embora sempre risonha, fazê-la sorrir aquele sorriso verdadeiro, de dentro pra fora, aquele que mostra a janela secreta da alma, seja para muitos dos seus queridos uma vitória.

Mas, apesar de tudo, é justamente nesse ser contido que se guarda um charme, algo que atrai as pessoas a quererem conhecê-la melhor. Arrasta-nos para uma grande areia movediça, prendendo ali eternamente sem nunca ter certeza completa de que a realmente conhece. Talvez este seja o segredo dessa esfinge pós-moderna: descobrir uma senha que nos livre dessa incontrolável compulsão em desvendá-la ou que a faça sair de sua concha ultra-resistente. Por mais que seja meio exagerado dizer que ainda não nasceu um Édipo para desvendar esse enigma, o fato é que ainda não ele não foi encontrado. Esse ar misterioso, contido, pode ser justamente uma escolha dela, que permitirá a apenas a alguns privilegiados, que possuindo a resposta do seu enigma, tem as chaves de seu coração e mente. Que por trás daquela fachada quieta e serena, existia uma intensidade explícita em seu viver. Ou será que sua intensidade esta circunscrita aos suas loucuras secretas? Daria pra viver certas loucuras de vez em quando sem necessariamente romper as barreiras do seu casulo? Enquanto isso não acontecia, ela poderia estar se deliciando em devorar meros mortais extremamente curiosos em desvendá-la, bagunçando suas cabeças metidas a analistas freudianos.
 
Depois de sua resignação inicial, e reorganizando seus pensamentos, ela, com um sorriso no canto na boca, fala para uma confidente e surda tela: “É, talvez eu seja uma esfinge! Decifra-me ou te devoro!”.